quinta-feira, 26 de maio de 2011

Canto Para A Minha Morte

Uma inconveniência quase cotidiana e geralmente nas madrugadas quando a solidão da noite nos deixa mais vulneráveis. Não gosto de pensar muito sobre minha morte com medo de atraí-la e é com exacerbada relutância que escrevo sobre ela, pois se o pensar pode atraí-la, traduzi-los em papel parece convocá-la. Um documento pra posteridade, um epitáfio.

Não sei com que propósito, imagino o meu funeral, quais pessoas compareceriam? Quantas deveriam estar ali e não foram? Quem choraria? Quantos estranhos veriam meu corpo e conheceriam minhas histórias por outros estranhos que muito já saberiam de mim através dos apelos e do choro inconsolável da minha mãe?

Com que roupa estaria vestido e quais flores serviriam de adorno para minha última morada? Me prestariam homenagens? Quem? Quais? Eu realmente as merecia?

Quanto de falta ou alívio faria? Como seria no meu trabalho? Quantos projetos concluiria? Quem me substituiria? Por quanto tempo sentiriam minha falta? Quanto tempo até me tornar apenas uma lembrança?

Quantos lugares e pessoas eu ainda conheceria? Quanto de riso ou de choro eu ainda provocaria? Ainda me apaixonaria? Continuaria sendo feliz como sou hoje? Como seria o mundo sem mim?

Absolutamente igual. A vida é só um bonde que eu peguei junto com outros milhões.

Uns já desceram antes de mim e eu descerei antes de outros e serei desimportante pra uma grande maioria que seguirão nesse bonde vendo outros descerem e que também descerão antes de outros. E assim sucessivamente, nos trilhos desse bonde que segue não se sabe pra onde e possivelmente nunca se saberá. Desconfio mesmo que esse bonde caminhe em círculos e que vai ser assim pra sempre.

Não há o quê fazer e é até revoltante a nossa passividade/fragilidade diante da morte e de tudo que continuará existindo independente e indiferente à nossa existência. O que nos resta: viver.

'A vida é uma viagem, pena eu estar só de passagem' já disse Paulo Leminski.


"Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite..." Raul Seixas