quinta-feira, 24 de julho de 2008

De quem parte para quem fica.

Dizem por aí que quando uma pessoa descobre que tem uma doença grave, tipo AIDS ou câncer, ela passa por cinco etapas. A primeira é a negação, a segunda...bem, não sei a ordem, sei que a primeira é a negação, aí tem a raiva, a depressão e tem uma quarta que eu não lembro, e a última das etapas é a aceitação. E eu só preciso saber dessas duas, negação e aceitação, para escrever essas linhas. Quando você me deixou, no auge do nosso amor, quer dizer, do meu amor por ti, foi como um câncer, uma leucemia, eu te sentia extirpando de mim todas as minhas células sadias, ou contaminando-as com alguma substância que me casou inegualável dor e sofrimento. Senti um aperto forte no peito esquerdo, que não era mais câncer, mas uma dor, parecida talvez com a de um infarto, quando não se tem oxigenação suficiente para o músculo cardíaco, mas o que faltava ao meu coração não era oxigênio, era outra coisa. Depois que eu ouvi da tua boca: não dá mais, adeus, e outras palavras que eu preferi esquecer, eu neguei, eu neguei, eute disse: -Pensa bem,não é assim, a-gente-se-ama-você-me-ama-eu-sei. Aí eu, eufórica e incapaz de te convencer, coloquei na mala tudo que eu achava importante levar comigo em primeira hora, pensando, claro, que voltaria com ela no dia seguinte. Abri meu apartamento, mofado e sujo, procurei alguma coisa pra comer e só tinha um resto daquele conhaque que a gente bebeu um dia. E achei melhor beber do que comer, e entre lágrima e soluço, bebi aqueles três dedos, e continuei negando a mim mesma que você tinha me deixado. Dormi um sono pesado, e pra não pensar no dia que tinha se passado, arrumei minusciosamente todos os cômodos, como se estivesse esperando você bater a qualquer hora na minha porta.
É meu caro, já se foram quase dois meses de espera. E eu, sofridamente, passei pelas etapas do câncer do teu abandono. Tive dias de profunda raiva de mim, tentando detectar erros meus, passei dias de bastante tristeza, de ficar trancada, cortinha fechada, pular a janela, etc. Continuo não lembrando da quarta etapa, mas devo ter passado por ela também. E hoje, eu aceitei. E se eu guardava em mim algum sentimento ruim por você, tudo se transformou em adoração, agradecimento. E eu só posso lhe dizer: obrigado. Sem rancor algum, obrigado. Não seria metade do que sou hoje se você não tivesse passado por mim, hoje me sinto uma mulher mais madura e segura de si, diferente da menina que você seduziu anos antes, com esse olhar azul-turquesa, sempre penetrante. Tirou forças minhas que eu nunca imaginei ter, refinou meus gostos,mudou minhas opniões, tá ok, a minha poesia tá ficando meio piegas, mas é a pura verdade.E até pra me abandonar, você não poderia ser mais justo, digno e honesto comigo, de me dizer na cara cruas verdades, que hoje eu sei, eu precisava realmente ouvir. É meu querido, sinta-se um homem de verdade. E é só dos nossos bons momentos que eu lembro, com muita saudade, confesso.
O que acontece é que eu te amo ainda, e muito, amor de devoção, sabe? E eu suponho que seguirei te amando até o fim dos meus dias. Vou comparar toda nova pessoa com você, procurar nelas, algo se assemlhe contigo, e espero que você também encontre alguém, que preencha os teus vazios, que eu infelizmente não fui capaz. Só hoje tive coragem de voltar aqui na tua casa, que um dia também foi minha, pra pegar o resto das minhas coisas, que um dia foram suas também. Escrevo daqui, deitada na tua cama, onda tantas juras vãs foram ditas não é mesmo? E tô deixando a carta embaixo do porta retrato da escrivaninha, que para a minha surpresa, ainda guarda uma foto nossa.
E sendo piegas outra vez: Te amo, te amo, te amo, e sei que você também, no fundo, gosta um pouco de mim.

domingo, 13 de julho de 2008

O Confidente (ou simples objeto observador).

Olhos fundos e marcas de lençol nas bochechas, ela aparece, toda manhã, levemente mal humorada e sonolenta, realizando movimentos quase que em câmera lenta, entre dois ou três lamentos, dois ou três bocejos.Se dirige ao sanitário, mais por impulso, menos por coragem, e se queda ali, a mão esquerda apoiando a testa, pensando se é necessário um banho ou não, planejando o dia, pensando nele, como em cada minuto de cada novo dia: pensando nele. Ela não me disse mais nada sobre, mas eu conheço bem a expressão do seu rosto ao pensar nele.Talvez agora esteja planeando o percurso até a faculdade e vendo todas as possibilidades de cruzar com ele, mas não, ele dorme até mais tarde nas sexta, e assim ela decide prontamente. - Não preciso de banho. Levanta brusca do acento, lava brusca a cara, escova bruscamente os dentes, troca bruscamente a roupa, apaga brusca a luz,bate brusca a porta e sai, brusca.Não posso vê-la na rua, mas a imagino descomposta, cara de sono, bocejos. O andar torto, desengonçado, apressado e brusco.E durante a aula, provavelmente distraída e ainda sonolenta ela pensará no pênis do professor, pequeno e murcho, sem volume algum sob a calça, diferente do fulano ao lado, altivo e imponente, pernas abertas, grande proeminência sob o zíper. E se imaginou na cama com o professor, na cama com o fulano, na cama com os dois. Depois se deu conta de sua abstinência, que claro, faz ela passar horas pensando coisas assim. Espantou-as da cabeça, tentou em vão prestar atenção na aula do professor-pênis-murcho. E depois de trinta segundos ela pensava no pênis dele, e gostou de imaginá-lo também altivo e imponente e não quis espantar aquilo da cabeça. Ao meio dia ela se despe para mim, mostrando os fartos seios que ela tanto se orgulha, o abdome globoso na parte inferior que ela tanto odeia, se esquia vira de lado, vira de frente, vira de costas. Mãos na cintura, pés na ponta dos dedos, ela me mostra as nádegas também fartas porém flácidas e repete mais uma vez para si mesma que precisa urgentemente recorrer a uma academia. E pensou nele, saciando a fome naquelas carnes fartas e flácidas. Ducha rápida só para aliviar os calores, o do verão e o que exala de algum lugar profundo do corpo dela, muito mais difícil de ser aliviado. Aquele conhecido calor que faz ela pensar em outras coisas, ao invés da disciplina ministrada. Escova os dentes, agora não brusca, mas meticulosa, um a um, incisivos, caninos, molares e pré-molares. Senta na pia de pernas abertas para mim, examina o clítoris, o bem mais precioso dela e de toda mulher, suponho eu. E ao mexer nos grandes e pequenos lábios, novamente pensou nele. Rói e pinta as unhas em seguida, vermelho vivo, vermelho sangue. A casa vazia, ela desabafa. Se assume desacreditada em relação a ele, e auto-confiante em relação aos demais, e mostra-se indigna com a sua postura para os demais, quando os demais, não importam, é nele, é dele, é pra ele cada passo, cada movimento, cada nova fragância, cada roupa, cada peça íntima, cada gesto e cada rima. Anoitece. Banho, hidratante e óleos, desodorantes e perfumes, vestido, calcinha, sutiã não, unhas dos pés escarlates, vermelhas-vivas no salto 15, e ela tentou não pensar nele, passando a língua nelas e a deslizando devagar para lamber a parte interna das cochas. Olha bem pra mim e repete: eu sou linda,eu sou linda,eu sou linda. Ensaia beijos, olhares e poses, passa as mãos no cabelo, pega na bolsa o pouco de dinheiro que uma mulher como ela precisa para sair, embriagar-se, divertir e divertir-se, mãos no cabelo. Meia noite, acusa o relógio, ela espera uma nova proposta tocar a campainha e levá-la a bares,shows e talvez mais tarde cama redonda, espelho no teto. Blim-blom, um último olhar,o mais fatal. Desliga elegante a luz, fecha elegante a porta, e me deixa na escuridão, com os meus míseros um metro e meio de largura por dois de altura: pobre espelho confidente.

"Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim. Por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim (...) Mas na manhã seguinte, nem conta até vinte, se afasta de mim, pois já não vales nada, és página virada, descartada do meu folhetim."